Homicídio em contexto de desavenças motivadas por ação judicial relativa à propriedade de uns terrenos; recurso para o Supremo Tribunal de Justiça | Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este (Porto Este, juízo central de criminal de Penafiel – J3)

 


27/02/2023

Por acórdão de 11.10.2022 o Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este (Porto Este, Juízo Central Criminal de Penafiel – J3) absolveu um arguido da prática de um crime de homicídio qualificado, tal como vinha acusado, e ao invés, condenou-o pela prática de um crime de homicídio simples, na pena de doze anos e seis meses de prisão.
Não se conformando com tal entendimento e com a qualificação jurídica operada pelo Tribunal, o Ministério Público e a assistente (filha da vítima) interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão datado de 2.2.2023 julgou procedente os recursos, revogando o acórdão recorrido e, em sua substituição, condenou o arguido como autor de um crime de homicídio qualificado na pena de dezoito anos de prisão, tal como defendido pelo MP que, em recurso, pugnou pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão de 18 anos  de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado.
Acolheu assim o Supremo Tribunal de Justiça o entendimento defendido pelo Ministério Público e pela assistente no sentido de que o arguido agiu determinado por motivo fútil, produzindo a morte da vítima em condições que revelaram especial censurabilidade do agente.
Recorde-se que o Tribunal de 1.º instância deu como provado que o arguido, que à data dos factos contava com 42 anos encontrava-se desavindo com a vítima (que contava com 79 anos de idade), seu senhorio, por causa de uma ação em tribunal relativa à propriedade de uns terrenos sitos em Paços de Ferreira, que já havia ocorrido há cerca de 20 anos, entre os seus pais e os herdeiros dos referidos terrenos.
Mais deu como provado que, no dia 3 de janeiro de 2022, o arguido, motivado pelo facto de se sentir roubado no âmbito da referida ação em tribunal, decidiu que iria tirar a vida e matar a vítima. 
Para tal, muniu-se de uma faca de cozinha com lâmina de gume de 24 cm, e com cabo de 15 cm, e dirigiu-se até à vitima que se encontrava a tratar de um terreno agrícola sua propriedade, sito em Frazão, Paços de Ferreira.
Aí, por volta das 13:25 horas, o arguido, empunhando a referida faca de cozinha na mão, abeirou-se da vítima e, sem lhe dirigir qualquer palavra, e utilizando a referida faca desferiu-lhe golpes que atingiram a vítima no pescoço, tórax e costas. Ato contínuo, a vítima caiu ao chão já inanimada, altura em que o arguido lhe desferiu mais três golpes com a faca, perfurando-a na zona do tórax, causando-lhe inúmeras lesões que lhe provocaram a morte.
Nestes termos, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta o tempo já decorrido desde o desfecho da referida ação judicial; a inexistência de qualquer discussão entre a vítima e o arguido, e ainda a circunstância do arguido ser inquilino da vítima, não havendo notícia, nos últimos anos, e a este respeito de qualquer dissídio entre ambos, retirava, nas palavras do Supremo Tribunal de Justiça, o sentido e a relevância que o prejuízo ou sentimento de desapropriação patrimonial ou perda provocado pela perda da referida ação pudesse assumir, face ao sistema de valores socialmente vigente, pelo que a motivação do arguido revelou-se especialmente desproporcionada e particularmente desajustada à gravidade da sua conduta contra a vítima, justificando a qualificação do homicídio. 
 
NUIPC: 22/22.0JAPRT