Homicídio por negligência; atentado à segurança de transporte por ar; queda de helicóptero a operar para o INEM na Serra de Santa Justa, Valongo; arquivamento | Ministério Público no Diap da Procuradoria da República do Porto  (Valongo, secção única)

 


26/05/2020

Por despacho datado do dia 03.04.2020, o Ministério Público no Diap da Procuradoria da República do Porto (Valongo, secção única) determinou o arquivamento do inquérito em que se investigaram as circunstâncias da queda de um helicóptero ao serviço do INEM, no dia 15.12.2018, na Serra de Santa Justa, Valongo.
 
 
O Ministério Público deu curso às investigações suportadas pelo referido processo por entender que poderiam estar em causa os tipos legais de crime de homicídio por negligência e/ou atentado à segurança de transporte por ar.
 
 
Considerou indiciado, além do mais, que:
  • O helicóptero ao serviço do INEM descolou às 18:35 do dia 15.12.2018 do heliporto de Massarelos no Porto, onde tinha aterrado antes numa missão de transporte urgente de doentes intra-hospitalar, tendo por destino final a base de Macedo de Cavaleiros, com escala técnica para reabastecimento em Baltar, Paredes.
  • A bordo, seguiam comandante e co-piloto, um médico e uma enfermeira da equipa do INEM.
  • A aeronave seguiu um rumo praticamente directo ao heliporto de Paredes/Baltar, voando a uma velocidade de cruzeiro em torno dos 130kt (240km/h) e em altitudes a variar entre os 1400ft (427m) e os 1500ft (457m).
  • Às 18:40, o helicóptero colidiu com uma torre de transmissão rádio, com 66 metros de altura, localizada na serra de Santa Justa, Valongo, com a sua base a 371m (1217ft).
  • A aeronave descreveu então uma trajetória balística em rotação lenta sobre o seu eixo longitudinal pela esquerda, vindo a imobilizar-se no terreno a 384 metros, após o impacto inicial com o mastro da antena.
  • Todos os quatro ocupantes perderam a vida como consequência directa e necessária do acidente.
  • As condições meteorológicas na zona da Serra de Santa Justa, registadas nas horas seguintes ao acidente, não eram favoráveis à operação de busca e salvamento da aeronave mas este facto não teve relevância para os aspectos de sobrevivência dos ocupantes da aeronave, já que o acidente foi de impacto, sem probabilidade de sobrevivência.
  • De acordo com a informação disponibilizada pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a situação meteorológica para a região na tarde e noite do evento era caracterizada por uma depressão centrada a noroeste das Ilhas Britânicas, à qual estava associada uma superfície frontal fria em aproximação à Península Ibérica.
  • A análise dos valores de vento observado no Aeroporto Internacional do Porto (LPPR), entre as 17:00 UTC e as 20:00 UTC, indica que o mesmo soprou de sul, com uma intensidade média de 20kt (37km/h) tendo apresentado, por vezes, rajadas da ordem dos 30kt (56km/h).
  • Com base nos registos do Aeroporto Internacional do Porto (LPPR), a visibilidade reportada variou entre os 4000m e os 6000m, podendo considerar-se que fosse muito inferior na zona montanhosa onde ocorreu o acidente.
  • A antena de radiodifusão acidentada possuía um candeeiro de balizamento nocturno duplo instalado no topo da torre, cujas condições de funcionamento na noite do acidente não foi possível confirmar.
  • Desde o ponto de impacto com a torre acidentada e ao longo de todo o cume do monte para noroeste, foram contabilizados dez obstáculos adicionais à navegação aérea com diferentes características, estando alguns, aparentemente, fora de serviço.
 
 
Analisando e conjugando todos os elementos indiciários constantes dos autos, o Ministério Público concluiu o seguinte:
  1. A escala do helicóptero em Baltar era absolutamente necessária para reabastecimento de combustível;
  2. A decisão de levantar voo não foi temerária nem imprudente, mostrando-se aceitável no contexto em que se verificou, nomeadamente meteorológico;
  3. A tripulação do helicóptero não se apercebeu da antena embatida, até porque não tentou qualquer manobra evasiva; não se apurou se pelo facto de a antena não se encontrar iluminada no seu topo e a nível intermédio como se impunha, se pelo facto de estando o seu topo iluminado como regularmente exigido estar este tapado com nuvens que ocultavam a iluminação;
  4. Não há qualquer indício que relacione a ocorrência do acidente com tempo de trabalho excessivo por parte dos pilotos;
  5. No decurso do voo, o piloto terá seguido o plano delineado antes da descolagem, forçando as condições visuais com o terreno, fazendo diminuir a altitude para manter ou buscar referências; tratando-se de um voo de emergência, estava excepcionado pelas normas regulamentares da observância de uma altitude mínima durante o voo.

 

O Ministério Público concluiu que os factos não afastam a cogitação de várias hipóteses como causa do acidente, sendo uma delas um agravamento inesperado do tempo meteorológico durante a travessia da serra que tenha diminuido drasticamente as condições de visibilidade, sem que se tenha apurado em concreto, com a necessária segurança, qual delas se verificou; pelo que, face a esta incerteza, foi determinado o arquivamento dos autos.