Escravidão; recrutamento de trabalhadores para a agricultura em Espanha; despacho de pronúncia | Ministério Público na Comarca do Porto (Juízo de Instrução Criminal)

 


27/10/2021

 
 
 
Por despacho de 22.10.2021, no Juízo de Instrução Criminal do Porto, terminada a fase de instrução requerida por um dos arguidos, foi proferida decisão de pronúncia submetendo a julgamento, pelo Tribunal Coletivo, três arguidos pela prática de dezanove crimes de escravidão, tal como lhes fora imputado no despacho de acusação deduzido pelo Ministério Público.
 
Recorde-se que o Ministério Público imputou a tais arguidos, dois deles companheiros, vivendo em união de facto, e o terceiro, filho daqueles, que entre 2011 e 30.08.2016, levaram de Portugal para Espanha, para La Rioja e Léon, para trabalhar em explorações agrícolas, pelo menos catorze pessoas, algumas das quais por mais que uma vez, e que os arguidos escolhiam pessoas fragilizadas pela sua situação pessoal, prometendo-lhes um pagamento de €30 a €40 diários, alojamento, alimentação e transporte para Espanha, o que não se concretizou, antes sujeitando-os a condições desumanas entre as quais: terem sido alojados num armazém agrícola, ou numa garagem, num curral e numa pocilga; que a alimentação fornecida era nutricionalmente pobre, constituída ao jantar por arroz, massa e batatas cozidas, com ossos de frango e rabos ou barbatanas de bacalhau; que a jornada de trabalho diária tinha hora para começar mas não para acabar, prolongando-se às vezes por treze horas; que os arguidos impunham grandes restrições à movimentação dos ofendidos, não lhes permitindo entrar e sair do alojamento quando quisessem, ou mesmo regressar a Portugal se lhes apetecesse; que além disso os intimidavam, agrediam e ameaçavam, fazendo que vivessem num clima de terror; e que quando algum deles fugia, o que sucedeu pelo menos com dois, os perseguiam e traziam de volta ao alojamento.
 
 
Para além disso, imputou o Ministério Público indiciou ainda que embora arguidos e arguida recebessem dos donos das explorações agrícolas €10 a €12 por cada hora de trabalho de cada um destes trabalhadores, nunca lhes pagaram sequer o que haviam com eles combinado, sucedendo que ou não entregaram o que quer que fosse, ou entregaram valores muito inferiores aos devidos, que, por exemplo, num caso, foram €300 em vez dos €6 300 devidos, e noutro €550 em vez dos €21 900 devidos; tal conduziu, diz o Ministério Público, a que os arguidos tivessem um benefício económico não inferior a €368 915 com a conduta que empreenderam, cujo perdimento a favor do Estado é pedido.